Imunidade do ITBI na Transferência de Bens para Holdings Patrimoniais

A transferência de patrimônio imobiliário para holdings tem se consolidado como uma estratégia eficiente de planejamento patrimonial e sucessório no Brasil, oferecendo vantagens fiscais significativas em comparação à administração direta por pessoas físicas. Um aspecto crucial nesse processo é a possibilidade de imunidade do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na integralização de capital social dessas empresas. Este estudo analisa os fundamentos legais, requisitos, limitações e controvérsias jurisprudenciais relacionados à imunidade tributária do ITBI no contexto das holdings patrimoniais.


Fundamentos Constitucionais e Legais da Imunidade do ITBI

A imunidade do ITBI possui previsão expressa na Constituição Federal brasileira, especificamente no artigo 156, §2º, inciso I, que estabelece:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: […] II – transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; […] §2º. O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.

Esta previsão constitucional é complementada pelo Código Tributário Nacional (CTN), que em seu artigo 36, inciso I, também prevê a não incidência do ITBI “quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito”.

A imunidade tributária representa uma garantia constitucional fundamental para empresas que incorporam bens imóveis ao seu patrimônio, como é o caso das holdings patrimoniais frequentemente implementadas nos planejamentos sucessórios. Esta proteção evita a incidência de um imposto que, dependendo do valor dos imóveis, pode representar um considerável ônus financeiro.


Natureza Jurídica da Imunidade

É importante destacar que a imunidade tributária difere de isenção ou não-incidência comum. Enquanto estas últimas decorrem de lei ordinária, a imunidade possui status constitucional, representando uma limitação ao poder de tributar imposta pela própria Constituição Federal aos entes federativos. Esse aspecto é relevante porque confere maior segurança jurídica ao contribuinte, já que alterações na imunidade exigiriam emenda constitucional.


Holdings Patrimoniais: Conceito e Utilização

A holding patrimonial é uma empresa constituída com o objetivo específico de gerir patrimônio, especialmente familiar, onde os “herdeiros” se tornam quotistas da mesma pessoa jurídica. Para sua efetiva operacionalização, a holding deve receber o patrimônio a ser administrado, que normalmente é constituído por bens imóveis, através do processo técnico denominado integralização de capital.

Esta estrutura societária não exerce atividades operacionais típicas, sendo sua função primordial a participação e o controle em outras sociedades empresárias vinculadas pelo contrato social. Este modelo tem se consolidado como uma estratégia fundamental para:

  1. Organização patrimonial e empresarial
  2. Planejamento sucessório eficiente
  3. Otimização tributária
  4. Proteção patrimonial
  5. Gestão centralizada de bens e investimentos

A transferência de bens imóveis para holdings proporciona uma administração mais profissional do patrimônio familiar, além de facilitar a sucessão hereditária, evitando processos de inventário complexos e dispendiosos.

Requisitos para Aplicação da Imunidade do ITBI

Para que a imunidade tributária do ITBI seja aplicável na transferência de bens imóveis para holdings patrimoniais, é necessário observar alguns requisitos específicos:


1. Integralização em Capital Social

O primeiro requisito essencial é que os imóveis sejam efetivamente utilizados para integralização de capital social da holding. Esta operação consiste na transferência da propriedade dos bens imóveis para o patrimônio da pessoa jurídica em troca de participação societária.

É crucial que os imóveis sejam devidamente classificados como capital social e não como reserva de capital ou outra conta do patrimônio líquido. Conforme entendimento do STF estabelecido no julgamento do RE 796.376/SC, a imunidade não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.


2. Atividade Preponderante Não-Imobiliária

O segundo requisito fundamental refere-se à atividade preponderante da empresa adquirente. A imunidade não se aplica quando a atividade preponderante da holding for a “compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.

De acordo com o artigo 37 do Código Tributário Nacional, considera-se caracterizada atividade preponderante quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 anos anteriores e nos 2 anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações imobiliárias. Para empresas recém-constituídas, o período de análise compreende os 3 primeiros anos seguintes à data da aquisição.

Esta avaliação é crucial para holdings patrimoniais, pois determina a viabilidade da imunidade tributária. Se a holding recebe rendimentos predominantemente de aluguéis ou pretende vender seus imóveis nos próximos anos, a integralização pode ser tributariamente desvantajosa.


Controvérsias Jurisprudenciais e o Tema 796 do STF

A aplicação prática da imunidade do ITBI tem gerado diversas controvérsias interpretativas, especialmente após o julgamento do Recurso Extraordinário 796.376 pelo Supremo Tribunal Federal, que originou o Tema 796 de repercussão geral.


Limitação ao Valor do Capital Social

Em 5 de agosto de 2020, o STF fixou a seguinte tese: “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Este entendimento estabelece que a imunidade do ITBI se aplica apenas até o limite do capital social a ser integralizado. Portanto, se o valor do imóvel superar o valor das quotas ou ações subscritas, a diferença estará sujeita à tributação pelo ITBI.


Interpretação do Voto do Ministro Alexandre de Moraes

Um aspecto controverso surgiu a partir do voto do Ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso extraordinário mencionado. Em seu voto, o ministro fez uma distinção entre duas hipóteses previstas no dispositivo constitucional:

  1. Imunidade “sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”
  2. Imunidade “sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”

O ministro sugeriu que a exceção relacionada à atividade preponderante (que afasta a imunidade) se aplicaria apenas à segunda hipótese, e não à primeira, que trata da integralização de capital social.

Esta interpretação gerou divergências. Enquanto alguns juristas argumentam que qualquer empresa, incluindo holdings patrimoniais e imobiliárias, teria direito à imunidade ao integralizar capital com imóveis, os tribunais, especialmente o TJSP, têm adotado entendimento diverso.


Posicionamento do TJSP e Outros Tribunais

O Tribunal de Justiça de São Paulo tem negado imunidade de ITBI para empresas do setor imobiliário e holdings patrimoniais na transferência de imóveis para composição de capital social. Em suas decisões, o TJSP não tem considerado a distinção feita pelo Ministro Alexandre de Moraes, mantendo o entendimento de que a exceção da atividade preponderante se aplica a ambas as hipóteses previstas no dispositivo constitucional.

Esta divergência interpretativa gera insegurança jurídica para contribuintes que desejam implementar estruturas de holding patrimonial, especialmente quando os rendimentos incluem aluguéis ou outras operações imobiliárias.


Novo Debate: Tema 1.348 do STF

A controvérsia sobre a imunidade do ITBI em operações de integralização de capital social de empresas ganhou novo capítulo com o reconhecimento da repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.495.108, conhecido como Tema 1.348, pelo Supremo Tribunal Federal.

Este novo julgamento abordará especificamente se a imunidade permanece válida para empresas com atividade imobiliária predominante. O Ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, destacou a necessidade de um posicionamento claro que traga segurança jurídica tanto para os municípios quanto para os contribuintes.

A jurisprudência sobre o tema tem sido favorável ao contribuinte no sentido de exigir comprovação robusta sobre a natureza das atividades empresariais antes de afastar a imunidade tributária.


Procedimentos Práticos para Obtenção da Imunidade

Os aspectos práticos para obtenção da imunidade do ITBI em transferências para holdings patrimoniais envolvem uma série de procedimentos específicos:

1. Solicitação da Imunidade junto ao Município

Ao realizar a transferência de imóveis da pessoa física para a holding, é importante considerar que os municípios podem solicitar documentação inicial que comprove que as atividades da empresa não são predominantemente imobiliárias. Esta declaração é conferida pela própria prefeitura mediante solicitação direta de uma guia de imunidade de ITBI.

Cada município possui suas próprias regras e sistemas para apuração e emissão de guias, bem como equipes técnicas que avaliam os pedidos de não incidência. Esta disparidade de procedimentos pode gerar complexidades operacionais, especialmente quando a operação envolve imóveis em diferentes municípios.

2. Comprovação da Atividade Não-Imobiliária

Para conseguir a guia de imunidade, o requerente deve apresentar documentação requisitada pela prefeitura. Caso a holding seja nova, é necessário comprovar, nos próximos três anos, que seu faturamento não ultrapassou os 50% de atividade imobiliária.

Esta exigência decorre da ressalva constitucional que exclui da imunidade as transferências realizadas a adquirentes cuja atividade principal seja a compra e venda de imóveis, locação imobiliária ou arrendamento mercantil.

3. Averbação no Registro de Imóveis

Não basta integralizar o imóvel na holding; é preciso também registrar a mudança da titularidade da propriedade no cartório de registro de imóveis para que a transferência seja plena e eficaz. Após a integralização e averbação na Junta Comercial, munido do contrato/estatuto social registrado, é necessário que a propriedade seja alterada na própria matrícula do imóvel.

Caso contrário, é como se o imóvel ainda pertencesse ao antigo dono e não à holding, conforme ditames do artigo 1.245 do Código Civil. O Estatuto Social não substitui a averbação na matrícula do imóvel, sendo necessária a regularização imobiliária, conforme entendimento do STJ no REsp nº 1.743.088.

4. Classificação Contábil Adequada

É mais seguro juridicamente integrar os imóveis ao capital social em vez de integrá-los ao patrimônio líquido. Conforme interpretação do STF no julgamento do RE 796.376/SC, o ITBI incidirá na integralização de imóveis quando o valor do imóvel exceder o valor do capital social já integralizado.

Caso os valores dos imóveis sejam destinados à conta de reserva de capital, que faz parte do patrimônio líquido da sociedade, a diferença estará sujeita à incidência do ITBI. Portanto, a correta classificação contábil do imóvel na holding é fundamental para o sucesso da operação e obtenção da imunidade.


Planejamento Patrimonial e Aspectos Estratégicos

A transferência de patrimônio para holdings apresenta benefícios significativos, incluindo a potencial imunidade do ITBI, desde que observadas as condições legais e jurisprudenciais estabelecidas. No entanto, é fundamental realizar uma análise estratégica que considere:

  1. Perfil da família: Avaliar se a família recebe rendimentos predominantemente de aluguéis ou pretende vender imóveis nos próximos anos.
  2. Planejamento tributário global: Considerar não apenas o ITBI, mas também outros tributos como ITCD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), IRPF e IRPJ.
  3. Governança societária: Estabelecer mecanismos eficientes para assegurar o controle patrimonial e político conforme os objetivos familiares.
  4. Transparência fiscal: Garantir que a estrutura seja legítima e não caracterize evasão fiscal ou planejamento tributário abusivo.

Um planejamento patrimonial e societário bem estruturado não apenas mitiga riscos tributários, mas também oferece vantagens significativas, promovendo eficiência fiscal, proteção patrimonial e assegurando a longevidade dos ativos.


Conclusão

A imunidade do ITBI na transferência de bens imóveis para holdings patrimoniais constitui importante ferramenta de planejamento sucessório e patrimonial. No entanto, sua aplicação está sujeita a requisitos específicos e limitações jurisprudenciais que devem ser cuidadosamente observados.

O principal entendimento consolidado pelo STF é que a imunidade não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado. Além disso, persiste a controvérsia sobre a aplicação da exceção relativa à atividade preponderante, especialmente após as distinções feitas no voto do Ministro Alexandre de Moraes.

As divergências interpretativas entre os tribunais, particularmente o posicionamento restritivo do TJSP, e as variações nas regulamentações municipais, exigem cautela e assessoria especializada para implementação de estruturas de holding patrimonial que busquem usufruir da imunidade do ITBI.

A expectativa é que o julgamento do Tema 1.348 pelo STF traga maior segurança jurídica sobre a matéria, estabelecendo parâmetros claros para aplicação da imunidade tributária neste contexto. Até lá, recomenda-se a avaliação criteriosa do perfil patrimonial e das atividades pretendidas para a holding, além do cumprimento rigoroso dos procedimentos formais junto às autoridades fiscais e registrais.


Comentários

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